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Como definir a ordem de autoria do artigo científico?

Marcos Lima

set 11, 2024

A ordem de autoria do artigo científico é um tema delicado e nem sempre discutido nas equipes de pesquisa. No entanto, saber como definir essa ordem é essencial para garantir que todos os colaboradores sejam devidamente reconhecidos por suas contribuições.

Neste post, abordaremos as principais normas utilizadas para determinar a ordem de autoria. Além disso, forneceremos orientações práticas para estimar as contribuições dos membros da equipe de pesquisa. Esperamos que esse texto te incentive a discutir esse importante tema com seus colegas.

Duas perguntas fundamentais envolvendo a autoria

Todo artigo científico possui uma história. Em certos casos, a história envolve uma relação produtiva e harmoniosa entre os membros da equipe de pesquisa, culminando em um produto relevante e com alto impacto na comunidade científica. Por outro lado, em outros casos, o artigo esconde uma relação conturbada e de difícil manejo nos bastidores.

Como você pode imaginar, nem toda a história de um artigo é contada no relato propriamente dito. Para que as histórias de seus artigos se enquadrem no primeiro caso, você deve considerar duas questões fundamentais sobre a autoria do artigo científico.

Quem deve ser autor do artigo científico?

Antes de mais nada, você deve avaliar quem deve ser autor do artigo científico. A American Psychological Association propõe que a autoria deve ser reservada àqueles que dão uma contribuição substancial e que aceitam a responsabilidade pelo trabalho publicado. Em outras palavras, ser autor é uma questão de receber crédito e de assumir a responsabilidade pela integridade dos dados, das análises e das interpretações feitas no artigo.

Vale ressaltar que contribuir com um artigo científico não é sinônimo de ser autor. Por exemplo, em uma influente revisão metanalítica de minha área de pesquisa (Rowland, 2014), o autor afirma que 20% dos estudos revisados foram codificados por um avaliador independente, treinado para esse fim. Desse modo, entendeu-se que tal contribuição era insuficiente para justificar o crédito de autor do artigo científico.

Outros casos também podem justificar reconhecimento na seção de agradecimentos, mas não autoria. Por exemplo, ler e comentar a versão preliminar do manuscrito, participar da análise de juízes de uma medida de autorrelato e até mesmo coletar dados são contribuições importantes, mas que em si mesmas não justificam o crédito de autor de um artigo científico.

Qual é a ordem de autoria do artigo científico?

Após definir que a contribuição justifica o crédito de autor de um artigo, deve-se avaliar qual será a ordem de autoria do artigo.

A ordem de autoria do artigo científico costuma refletir o nível de contribuição de cada pesquisador para o trabalho. No entanto, considere o seguinte caso hipotético: três membros de uma equipe avaliam o quanto eles próprios e os demais contribuíram no projeto (Figura 1).

contribuições relativas em um artigo científico.
Figura 1. Exemplo de contribuições relativas percebidas pelos autores de um artigo científico.

Três padrões são notáveis na Figura 1. Primeiramente, cada autor se autoavaliou como dando a maior contribuição para o artigo (valores na cor azul). Além disso, a autoavaliação da contribuição de cada autor foi sempre superior à heteroavaliação que seus pares fizeram de sua contribuição. Por fim, tomando como base apenas as autoavaliações, a contribuição relativa percebida por cada autor excede 100% (50 + 40 + 35 = 125%).

Qual a razão para a discrepância nas avaliações? É possível, por exemplo, que cada membro teve mais facilidade de monitorar suas próprias tarefas, superestimando assim o quanto contribuiu no projeto. Além disso, é possível que diferentes membros priorizem aspectos distintos ao emitir seus julgamentos (e.g., tempo dispensado nas tarefas, importância das tarefas, etc.).

Nesse caso, qual deveria ser a ordem de autoria? Mais adiante, daremos algumas dicas de como estimar as contribuições relativas dos membros da equipe de pesquisa.

Normas de autoria do artigo científico

Em seguida, apresentamos três normas de autoria (Figura 2). Tscharntke et al. (2007) recomendam que os autores explicitem qual norma de autoria foi adotada em seu artigo, pois diferentes campos de pesquisa têm culturas distintas a respeito de qual abordagem é a mais adequada.

exemplos de aplicação de diferentes critérios de ordem de autoria do artigo científico.
Figura 2. Exemplos de diferentes normas de autoria.

A abordagem “a sequência determina o crédito”

A abordagem “a sequência determina o crédito” (the “sequence-determines-credit” approach) é a mais simples. Quanto mais próximo do início da lista de autores, maior é o crédito atribuído ao integrante da equipe de pesquisa. Em outras palavras, o primeiro autor recebe o maior reconhecimento, seguido pelos demais, em ordem decrescente de contribuição.

Por exemplo, considere um artigo derivado de parte da tese de doutorado de Vilma, que é orientada por Roni. Os dois foram os que mais contribuíram, nesta ordem, para o artigo. No entanto, Tiago, um mestrando do laboratório, e Sônia, uma bolsista de iniciação científica, também deram contribuições intelectuais importantes ao longo do projeto.

Desse modo, a ordem de autoria seria Vilma, Roni, Tiago e Sônia, refletindo as contribuições relativas de cada membro da equipe.

A norma das “contribuições iguais”

Em alguns casos, vários autores podem contribuir igualmente para o artigo. Quando isso acontece, a equipe pode adotar a norma das “contribuições iguais” (the “equal contribution” norm), na qual dois ou mais autores compartilham posições adjacentes na lista de autores.

Se isso tivesse acontecido no exemplo anterior, uma escolha simples poderia ser a ordem alfabética. Nesse caso, a ordem de autoria seria Roni, Sônia, Tiago e Vilma. Embora tenhamos usado a ordem alfabética de nomes, é comum que se adote a ordem alfabética de sobrenomes, no caso de publicações internacionais.

Eventualmente, as contribuições iguais não se aplicam a todos os autores. Por exemplo, o primeiro autor pode contribuir com 60% das tarefas, enquanto os demais contribuem igualmente com o percentual restante. Desse modo, aplica-se a abordagem “a sequência determina o crédito” para o primeiro autor, e a norma das “contribuições iguais” para os demais autores.

Foi o que fizeram Lakens et al. (2018). No entanto, ao invés de usarem a ordem alfabética, as posições do segundo e terceiro autores foram definidas por meio de um sorteio, o que foi reconhecido no próprio artigo (Figura 3). Spoiler: Anne M. Scheel venceu o sorteio!

ordem de autoria de artigo científico definida por sorteio.
Figura 3. Exemplo divertido de definição de ordem de segundo e terceiro autores usando um sorteio.

A norma da “ênfase no primeiro e último autores”

Em muitos campos, o primeiro e o último autores são os mais valorizados. Por exemplo, a psicologia adota essa norma de modo mais ou menos implícito, cujo nome é norma da “ênfase no primeiro e último autores” (the “first-last-author-emphasis” norm).

O primeiro autor é geralmente o principal responsável por executar a pesquisa e redigir o artigo, enquanto o último costuma ser o líder da equipe ou o orientador do projeto. Essa abordagem enfatiza tanto a execução do trabalho quanto a supervisão e orientação científica.

Em nosso primeiro exemplo, a ordem de autoria ficaria assim: Vilma, Tiago, Sônia e Roni. A principal mudança em relação à abordagem “a sequência determina o crédito” é que agora Roni, o pesquisador sênior e líder da equipe, foi colocado na última posição da lista de autores.

Como estimar as contribuições dos membros da equipe de pesquisa para a autoria do artigo científico?

Definir a ordem de autoria pressupõe que somos capazes de determinar as contribuições dos membros da equipe de pesquisa no projeto. Existem algumas propostas que visam auxiliar nessas estimativas.

O critério de ordem de autoria de artigo científico de Kosslyn (2002)

Stephen M. Kosslyn considera que uma contribuição intelectual criativa em pelo menos uma de seis etapas do projeto de pesquisa justificam a autoria. Por outro lado, contribuições menores, sem o componente criativo, justificam agradecimentos na nota de rodapé do artigo.

Para estimar a contribuição intelectual, Kosslyn (2002) propõe um sistema de pontuação de mil pontos, divididos desigualmente entre essas seis etapas, a depender dos pesos dados a cada uma delas. As etapas incluem a ideia, o delineamento, a implementação, a coleta, a análise e a escrita, sendo que a primeira e última etapas recebem maiores pesos na atribuição de créditos (veja a Figura 4).

critérios de ordem de autoria de artigo científico sugeridos por Kosslyn (2002).
Figura 4. Critérios de autoria adotados por Kosslyn (2002).

Nesse sistema, quem atinge mais que 0% e menos que 10% da pontuação recebe agradecimentos, enquanto quem atinge a partir de 10% é considerado autor do artigo, com a ordem relativa de autoria determinada pelo percentual de pontos obtidos.

O procedimento de análise de contribuições de Winston (1985)

Winston (1985) lista 12 categorias de atividades envolvidas em um projeto de pesquisa, que podem ser pontuadas por meio de critérios qualitativos (avaliação colaborativa dos membros da equipe) e quantitativos (tempo investido na tarefa ou número de páginas redigidas/revisadas do artigo).

Embora se sobreponham às etapas de Kosslyn (2002), as 12 categorias de Winston (1985) são um pouco mais detalhadas. Além disso, nem todas as categorias podem se aplicar em determinados projetos (e.g., construção de escalas, em estudos de replicação).

Por fim, salientamos que a American Psychological Association incentiva o uso do instrumento para ajudar a determinar a autoria de artigos científicos.

A ferramenta CRediT para ordem de autoria do artigo científico

A CRediT (Contributor Roles Taxonomy) é uma ferramenta que ajuda a especificar o papel de cada autor em um artigo científico (Brand et al., 2015). Ela divide as contribuições em 14 categorias distintas, como concepção, análise de dados, redação e administração do projeto.

Em 2019, mais de 120 periódicos endossavam a ferramenta CRediT, exigindo assim que autores divulgassem as contribuições dos autores no artigo. Essas contribuições se baseiam nas 14 categorias do CRediT, incluindo a conceitualização do estudo, o desenvolvimento de software e a escrita do manuscrito, para citar algumas delas.

Os autores da ferramenta CRediT afirmam que um membro da equipe pode contribuir com múltiplos papeis e, de maneira similar, um papel pode ser atribuído a múltiplos contribuidores. Além disso, de forma opcional, os autores podem declarar o nível de contribuição no projeto: papel principal (lead), de apoio (support) ou igualmente dividido (equal) com outros autores.

Em síntese, os três protocolos que apresentamos (de Kosslyn, 2002; de Winston, 1985; e ferramenta CRediT) podem conscientizar equipes de pesquisa sobre a importância de se discutir de forma transparente os papeis necessários para o crédito de autor de um artigo científico.

Quando falar sobre a ordem de autoria do artigo científico?

O melhor momento para discutir a ordem de autoria é no início do projeto de pesquisa. É fundamental que todos os membros da equipe estejam cientes dos critérios adotados para definir a ordem e concordem com eles. Essa prática evita conflitos futuros e, portanto, contribui para uma colaboração acadêmica mais harmoniosa.

Entretanto, imprevistos podem exigir a reavaliação da autoria do projeto. Por exemplo, um membro da equipe pode oferecer insights inicialmente não previstos no projeto, enquanto outro pode abandonar suas atividades, o que demanda a redistribuição de papeis. Em tais casos, portanto, deve-se avaliar se a ordem de autoria ainda é justa e alinhada às expectativas dos membros de pesquisa.

Caso a ordem de autoria precise ser revista ao longo do projeto, essa discussão deve ser feita de maneira aberta e transparente, sempre levando em conta o nível de contribuição relativa de cada membro da equipe.

Conclusão

Neste post, falamos sobre as principais normas e abordagens utilizadas para determinar a ordem de autoria de um artigo científico. Contudo, a ordem de autoria é apenas um dos componentes importantes no processo de escrita científica de estudantes e de pesquisadores.

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Referências

American Psychological Association. (2019). Publication manual of the American Psychological Association (7th ed.).

Brand, A., Allen, L., Altman, M., Hlava, M., & Scott, J. (2015). Beyond authorship: Attribution, contribution, collaboration, and credit. Learned Publishing, 28(2), 151–155. https://doi.org/10.1087/20150211

Kosslyn, S. M. (2002). Criteria for authorship [Unpublished manuscript]. Department of Psychology, University of Harvard. https://kosslynlab.fas.harvard.edu/files/kosslynlab/files/authorship_criteria_nov02.pdf

Lakens, D., Scheel, A. M., & Isager, P. M. (2018). Equivalence testing for psychological research: A tutorial. Advances in Methods and Practices in Psychological Science, 1(2), 259–269. https://doi.org/10.1177/2515245918770963

Rowland, C. A. (2014). The effect of testing versus restudy on retention: A meta-analytic review of the testing effect. Psychological Bulletin, 140(6), 1432–1463. https://doi.org/10.1037/a0037559

Tscharntke, T., Hochberg, M. E., Rand, T. A., Resh, V. H., & Krauss, J. (2007). Author sequence and credit for contributions in multiauthored publications. PLoS Biology, 5(1), Article e18. https://doi.org/10.1371/journal.pbio.0050018

Winston, R. B., Jr. (1985). A suggested procedure for determining order of authorship in research publications. Journal of Counseling and Development, 63, 515–518.

Como citar este post

Lima, M. (2024, 11 de setembro). Como definir a ordem de autoria do artigo científico? Blog Psicometria Online. https://www.blog.psicometriaonline.com.br/como-definir-a-ordem-de-autoria-do-artigo-cientifico

Bruno Figueiredo Damásio

Sou Psicólogo, mestre e doutor em Psicologia. Venho me dedicando à Psicometria desde 2007.

 

Fui professor e chefe do Departamento de Psicometria da UFRJ durante os anos de 2013 a 2020. Fui editor-chefe da revista Trends in Psychology, da Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP) e Editor-Associado da Spanish Journal of Psychology, na sub-seção Psicometria e Métodos Quantitativos.

 

Tenho mais de 50 artigos publicados e mais de 5000 citações, nas melhores revistas nacionais e internacionais.

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