Você aplicou um teste de inteligência em Ana e, após a correção, constatou que ela obteve um escore igual a 119. Contudo, escores de testes não existem no vácuo e, portanto, precisam de um sistema de referência para serem interpretados. Dois desses sistemas são baseados em dados normativos e em critério.
Neste post, falaremos sobre os dados normativos. Primeiramente, explicaremos a necessidade de um sistema de referência para interpretar os escores aplicados a casos individuais. Em seguida, apresentaremos os conceitos de normas, de dados normativos e de amostra normativa.
Logo depois, descreveremos dois tipos de escores normativos comumente apresentados na psicometria e na avaliação psicológica, a saber, os escores percentílicos e os escores padronizados. Por fim, descreveremos três características desejáveis das amostras normativas.
Introdução
Suponha que um amigo afirme que acertou 47 itens da prova de um concurso. O quão feliz você ficaria pelo resultado do seu amigo? Você comemoraria o resultado por ele obtido ou lamentaria por esse resultado?
Na ausência de outras informações, o mais prudente é fazer perguntas adicionais. Quantos itens tinha a prova? A etapa tem nota de corte? Quantos acertos os demais candidatos tiveram?
Ao fazer essas perguntas, você está buscando mais contexto. Esse contexto ajuda a criar um sistema de referência para avaliar o significado de “47 acertos”. Por exemplo, imagine que seu amigo diga que, os 20 conhecidos dele que fizeram o concurso acertaram menos de 40 questões. Nesse cenário, você teria uma evidência preliminar de que o desempenho do seu amigo foi promissor.
Em geral, a pergunta “quantos acertos os demais candidatos tiveram?” é orientada por um sistema de referência baseado em normas. Por outro lado, as perguntas “quantos itens tinha a prova?” e “a etapa tem nota de corte?” são orientadas por um sistema de referência baseado em critérios. Em seguida, entenderemos mais sobre o sistema baseado em normas.
Normatização, dados normativos e amostra normativa
A normatização é o processo de estabelecer uniformidade na interpretação dos escores de um teste. Ela visa garantir objetividade na forma de dar significado aos escores obtidos.
Os dados normativos (ou normas), por sua vez, consistem nas informações coletadas e que geram o sistema de referência para interpretar os resultados individuais. Em outras palavras, quando obtemos um escore de inteligência de 119, o sentido desse escore é dado em comparação aos dados normativos.
Os dados normativos são obtidos por meio de coleta de dados, que é feita com um grupo específico, ao qual chamamos de amostra normativa. Idealmente, essa amostra deve ser representativa da população-alvo de um teste ou instrumento de avaliação, isto é, ela deve ser composta por indivíduos que apresentam um desempenho típico em relação à característica estudada naquela população.
Suponha que a distribuição da Figura 1 apresenta os dados normativos, obtidos junto à amostra normativa, do teste de inteligência que você aplicou.
Na Figura 1, os dados normativos parecem estar centralizados no escore bruto igual a 100. Como vimos, o escore de Ana foi igual a 119. Com base nessa distribuição, ela parece ter um desempenho acima da média. Um desempenho “acima da média”, embora melhor do que nada, ainda parece ser pouco preciso. Como veremos a seguir, os dados normativos permitem uma interpretação ainda mais precisa.
Dados normativos e escores percentílicos
Podemos referenciar os dados normativos em termos de escores percentílicos ou de escores padronizados. Nesta seção, descrevemos os percentis. Na seção seguinte, trataremos do escore z, um tipo particular de escore padronizado.
Os percentis consistem em medidas de posição que dividem os escores da amostra em 100 partes iguais e indicam a posição relativa de um escore da distribuição. Cada percentil representa o valor abaixo do qual uma certa porcentagem dos dados se encontra.
Nesse sentido, dados normativos descritos em termos de escores percentílicos mapeiam a relação entre os escores brutos e os escores percentílicos em uma amostra normativa.
Na Figura 2, apresentamos dados normativos com os percentis de 10 em 10 (i.e., os decis) para fins de concisão. No entanto, também temos os percentis 4, 27, 93 etc. Importante notar, o percentil 90 está associado ao escore bruto 119, exatamente o valor obtido por Ana.
Como interpretar o escore percentílico igual a 90? Esse valor indica o percentual de participantes na amostra normativa que desempenharam abaixo do escore bruto de 119, isto é, 90%. Desse modo, interpretamos que Ana se saiu melhor no teste que 90% da população de referência.
Na prática, os construtores de testes não apresentam os percentis em uma distribuição, mas sim por meio de tabelas normativas, que mapeiam a relação entre os escores brutos e os escores percentílicos. A Figura 4 ilustra a ideia de uma tabela normativa.
Alguns testes psicológicos incluem tabelas normativas separadas por atributos relevantes da população-alvo. Por exemplo, podemos apresentar tabelas normativas separadas para estudantes oriundos de escolas públicas e particulares. Nesse caso, Ana deverá ser comparada com o sistema de referência mais apropriado ao caso dela.
Dados normativos e escores padronizados
Uma desvantagem dos escores percentílicos é que eles têm nível de mensuração ordinal, o que implica em intervalos desiguais entre percentis. Isso ocorre porque a transformação percentílica é uma transformação não linear dos dados brutos.
Para superar essa desvantagem, podemos apresentar os dados normativos em termos de escores padronizados, que correspondem aos escores originais expressos como a distância do escore individual em relação à média, em unidades de desvio-padrão.
Embora existam diferentes tipos de escores padronizados (e.g., o escore T), aqui nos focaremos no escore z, pois é o que você mais comumente encontrará em artigos científicos. Podemos calcular o escore z por meio da fórmula a seguir:
onde xi representa o escore bruto que queremos converter para escore z (e.g., o escore de Ana) e X-barra e DP representam, respectivamente, a média e o desvio-padrão da amostra normativa no teste.
Por exemplo, a média e o desvio-padrão de nossa amostra normativa são, respectivamente, 100 e 15. Desse modo, o escore de Ana pode ser reexpresso como:
Em síntese, esse escore z expressa que Ana está 1,26 desvio-padrão acima da média da amostra normativa. Se calcularmos a probabilidade acumulada até o valor z de 1,2666 na distribuição normal padrão (M = 0, DP = 1), obteremos uma probabilidade de 0,8974, que se aproxima do escore percentílico 90 obtido na seção anterior.
Essa similaridade entre probabilidade acumulada do escore z e escore percentílico não é acidental. A Figura 4 apresenta a distribuição da amostra normativa com os escores z alinhados aos escores brutos. Note que o escore bruto 119, cujo escore percentílico é igual a 90, está associado ao escore z = 1,27 (valor arredondado). Por isso, o valor do percentil e da probabilidade acumulada da distribuição normal serão semelhantes.
Dados normativos e características desejáveis da amostra normativa
Para que os dados normativos sejam confiáveis, é importante que eles tenham algumas características. Primeiramente, eles devem ser recentes.
Por exemplo, tabelas normativas dos pesos de recém-nascidos do início do século XX não serão úteis como sistema de referência para avaliarmos recém-nascidos do século XXI, pois os cuidados pré-natais e nutricionais mudaram substancialmente, impactar significativamente os padrões de peso e saúde dos bebês. Portanto, dados desatualizados podem levar a interpretações inadequadas ou imprecisas, prejudicando sua utilidade como referência.
Além disso, a amostra normativa deve ser representativa da população. Por exemplo, se a amostra normativa compreende apenas estudantes de escolas privadas, comparar o escore de inteligência de um estudante de escola pública com essa amostra provavelmente levará a interpretações incorretas.
Por fim, os dados devem ser relevantes. O critério da relevância está intimimamente relacionado ao da representatividade, pois se refere à semelhança entre as características do grupo normativo e do grupo específico que estamos avaliando.
Por exemplo, Bandalos (2018) aponta que, embora a amostra de pesos de recém-nascidos possa ser representativa da população, se estamos trabalhando especificamente com a subpopulação de bebês nascidos prematuros, então os dados normativos podem não ser úteis para nossa pesquisa.
Conclusão
Neste post, você aprendeu os conceitos de normas, de dados normativos e de amostra normativa. Além disso, descrevemos os escores percentílicos e padronizados, que são importantes para psicometristas e para profissionais da avaliação psicológica. Por fim, descreveremos três características desejáveis das amostras normativas.
Se você precisa aprender análise de dados, então faça parte da Psicometria Online Academy, a maior formação de pesquisadores quantitativos da América Latina. Conheça toda nossa estrutura aqui e nunca mais passe trabalho sozinho(a).
Referência
Bandalos, D. L. (2018). Measurement theory and applications for the social sciences. The Guilford Press.
Pacico, J. C. (2015) Normas. In C. S. Hutz, D. R. Bandeira, & C. M. Trentini (Orgs.), Psicometria (pp. 45–54). Artmed.
Como citar este post
Lima, M. (2024, 13 de dezembro). Dados normativos: O que são escores percentílicos e escores padronizados?. Blog Psicometria Online. https://www.blog.psicometriaonline.com.br/dados-normativos-escores-percentilicos-e-escores-padronizados/
Respostas de 2
Muito esclarecedor, sua didática é super acessível.
Obrigado pelo comentário, Luciene. Esperamos que os conteúdos continuem sendo úteis.
Equipe Psicometria Online.