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O que é ensaio clínico randomizado?

Marcos Lima

nov 6, 2024

Neste post, apresentaremos um delineamento de pesquisa chamado ensaio clínico randomizado. Primeiramente, definiremos ensaio clínico randomizado, bem como suas principais características e etapas. Em seguida, descreveremos três casos particulares de ensaios clínicos randomizados. Finalmente, listaremos alguns dos principais vieses que esse tipo de estudo busca controlar, além de explicar os termos técnicos mais relevantes que você precisa conhecer.

Definindo ensaio clínico randomizado

Um ensaio clínico randomizado é um estudo experimental projetado para avaliar os efeitos de uma intervenção sobre um ou mais desfechos clinicamente relevantes. Esse tipo de estudo também é conhecido por outros nomes, tais como ensaio clínico controlado e randomizado, randomized controlled clinical trial e randomized controlled trial (RCT). Neste post, usaremos os termos ensaio clínico randomizado e RCT de maneira intercambiável.

Em um RCT, pesquisadores atribuem aleatoriamente os participantes a diferentes grupos. Normalmente, um grupo recebe a intervenção, chamado de grupo experimental, enquanto o outro não, sendo este o grupo controle. Diferentemente de estudos observacionais, em um RCT, a exposição (ou seja, a intervenção) é controlada pelos pesquisadores.

Os desfechos clinicamente relevantes, por sua vez, podem incluir eventos como óbito, hospitalização por insuficiência cardíaca, qualidade de vida e dor, entre outros. O ponto-chave aqui é que, em ensaios clínicos randomizados, os termos exposição e desfecho são equivalentes às variáveis independente e dependente, usadas em outras áreas da ciência.

Quais são as principais características de um ensaio clínico randomizado?

Ensaios clínicos randomizados possuem várias características que os tornam únicos. Primeiro, a randomização distribui os participantes de maneira aleatória entre os grupos de estudo. Isso ajuda a criar grupos balanceados, tanto em relação a características conhecidas quanto desconhecidas, que podem influenciar os resultados.

Além disso, a inclusão de um grupo controle permite a comparação direta entre os resultados do grupo que recebeu a intervenção e o grupo que não recebeu. Dessa maneira, os pesquisadores garantem que a única diferença sistemática entre os grupos seja a própria intervenção, evitando assim a interferência de fatores de confusão. Quando um estudo é livre de confundidores, ele tem alta validade interna.

Outra característica importante dos RCTs é o cegamento. Isso significa que os participantes, os pesquisadores ou ambos não sabem quem está no grupo experimental e quem está no grupo controle. Se apenas uma das partes desconhece essa informação, chamamos o estudo de simples cego. Por outro lado, quando ambos desconhecem essa informação, temos um estudo duplo-cego.

Por fim, um seguimento (acompanhamento ou follow-up) rigoroso dos participantes durante o estudo é essencial. Isso assegura a coleta de dados precisa e completa. É importante que o tempo de acompanhamento seja longo o suficiente para capturar os efeitos da intervenção, mas não tão extenso a ponto de seus efeitos terem desaparecido.

Quais são as etapas de um ensaio clínico randomizado?

Os ensaios clínicos randomizados seguem etapas bem definidas (Figura 1). Primeiramente, na etapa de recrutamento, obtém-se uma amostra a partir da população, com base nos critérios de elegibilidade estabelecidos no protocolo do estudo. Por exemplo, a condição clínica e seu grau de severidade podem compor os critérios de inclusão, enquanto a presença de comorbidades ou de implantes metálicos na cabeça podem ser critérios de exclusão do estudo.

exemplo de ensaio clínico randomizado com delineamento de grupos paralelos.
Figura 1. Representação esquemática de ensaio clínico randomizado usando delineamento de grupos paralelos.

Uma vez selecionados, os participantes devem ser designados aleatoriamente entre os grupos. Isso ocorre na etapa de alocação (alocação e designação aleatória são sinônimos). Programas de computador ou tabelas de números aleatórios podem ajudar a realizar a designação aleatória dos participantes às condições experimentais. Em ensaios clínicos randomizados, cada condição é conhecida como braço.

Em seguida, ocorre a intervenção propriamente dita, que pode incluir sessões de terapia cognitivo-comportamental, administração de medicamentos, procedimentos cirúrgicos, entre outros. O grupo controle pode ser um grupo sem tratamento (neste caso, o termo “intervenção” é apenas nominal), um grupo placebo (onde o participante recebe uma pílula sem o princípio ativo em estudo) ou um grupo de tratamento usual (em que o participante recebe o melhor tratamento clinicamente disponível).

Na etapa de follow-up, pesquisadores monitoram os participantes no estudo. Busca-se mensurar a adesão ao tratamento (e.g., comparecimento às sessões de terapia cognitivo-comportamental, consumo dos medicamentos) e as perdas de participantes nos diferentes grupos do experimento. Além disso, aqui pesquisadores também mensuram o desfecho principal e, se houver, desfechos secundários da pesquisa.

Por fim, na etapa de análise de dados, pesquisadores aplicam técnicas estatísticas com o objetivo de determinar se a intervenção produziu efeito nos desfechos de interesse. Se bem conduzido, esse processo permite identificar de maneira precisa o impacto da intervenção testada.

Tipos de ensaios clínicos randomizados

Os RCTs podem ser conduzidos usando diferentes delineamentos, conforme os objetivos do estudo. Três dos delineamentos mais comuns são o delineamento de grupos paralelos, o delineamento cruzado e o delineamento fatorial, cada um com suas vantagens e desvantagens.

Delineamento de grupos paralelos (parallel-groups design)

No delineamento de grupos paralelos, os participantes são alocados aleatoriamente a um dos grupos, onde cada grupo recebe uma intervenção específica. Anteriormente, a Figura 1 ilustrou esse tipo de delineamento. Cada participante recebe apenas uma intervenção, facilitando a comparação direta entre os grupos.

Por exemplo, em um estudo com crianças com transtorno do espectro autista, um grupo poderia receber uma intervenção baseada em análise comportamental aplicada (Figura 2), enquanto os pais das crianças designadas ao grupo controle receberiam apenas orientações educativas. Os desfechos, como habilidades de comunicação verbal e não verbal, seriam avaliados em diferentes momentos.

Figura 2. Intervenção baseada em análise comportamental aplicada para desenvolvimento de habilidades de comunicação verbal e não verbal.

A vantagem desse delineamento é que ele é menos propenso a certos vieses. Por exemplo, em estudos em que os efeitos de um tratamento impactam tratamentos subsequentes (i.e., efeitos de transferência ou carryover effects), é inadequado expor todos os participantes às diferentes condições. Em contrapartida, uma desvantagem desse delineamento é que ele exige um número maior de participantes para garantir um adequado poder estatístico.

Delineamento cruzado (cross-over design)

No delineamento cruzado, os participantes recebem ambas as intervenções em momentos distintos, trocando de tratamento após um período determinado (Figura 3). Podemos pensar que os tratamentos “cruzam” de um braço do RCT para outro, de modo que a manipulação da exposição é intrassujeitos.

exemplo de ensaio clínico randomizado com delineamento cruzado.
Figura 3. Representação esquemática de ensaio clínico randomizado usando delineamento cruzado. Relógios representam período de wash-out entre intervenções.

A aleatorização nesse caso refere-se à ordem de exposição aos tratamentos (e.g., AB vs. BA). Esse delineamento é útil para intervenções de curta duração e aumenta a precisão das estimativas de tamanho de efeito, pois cada participante atua como seu próprio controle.

No entanto, é necessário um período de wash-out entre as intervenções para evitar que resquícios do primeiro tratamento influenciem a segunda mensuração. Esse delineamento, portanto, não é adequado para tratamentos de efeitos duradouros, como cirurgias ou vacinas. Isso ocorre porque, em tais cenários, não é possível reverter o desfecho a um estado basal, para a avaliação dos efeitos de uma segunda intervenção.

Delineamento fatorial (factorial design)

No delineamento fatorial, pesquisadores testam duas ou mais intervenções simultaneamente. Por exemplo, a Figura 4 representa um delineamento fatorial 2 × 2, com as variáveis independentes “A” (maiúscula e minúscula) e “B” (maiúscula e minúscula). O cruzamento das duas exposições, portanto, gera os quatro braços desse delineamento.

exemplo de ensaio clínico randomizado com delineamento fatorial 2 × 2.
Figura 4. Representação esquemática de ensaio clínico randomizado usando delineamento fatorial.

Um exemplo de delineamento fatorial envolveria a avaliação dos efeitos terapêuticos de um tratamento farmacológico (sertralina vs. placebo) e de um tratamento elétrico (estimulação transcraniana por corrente contínua vs. estimulação sham, onde não há estimulação real do cérebro) sobre sintomas depressivos de pacientes.

Nesse delineamento fatorial, teríamos quatro braços, análogos aos representados na Figura 4:

  • Braço sertralina + estimulação transcraniana por corrente contínua;
  • Braço sertralina + estimulação sham;
  • Braço placebo + estimulação transcraniana por corrente contínua;
  • Braço placebo + estimulação sham.

Uma vantagem desse tipo de delineamento é que ele permite avaliar efeitos combinados dos tratamentos, bem como condições limítrofes de um efeito. Isso se associa ao conceito de validade externa, ou generalidade, dos achados. Em contrapartida, isso aumenta a complexidade tanto da implementação do protocolo de pesquisa, quanto das análises estatísticas.

Quais são os principais vieses que um ensaio clínico randomizado busca controlar?

Os RCTs buscam controlar uma série de vieses que podem comprometer seus resultados. Um dos principais é o viés de seleção, que ocorre quando há diferenças sistemáticas entre os grupos antes mesmo da manipulação experimental. Assim, a aleatorização combate esse viés, distribuindo características dos participantes de forma equilibrada entre os grupos.

Outro viés importante é o viés de observação, que acontece quando pesquisadores ou participantes sabem a qual grupo pertencem. Portanto, o cegamento impede que essa informação influencie a coleta ou a interpretação dos dados.

Ademais, o viés de aferição do desfecho surge quando a coleta dos desfechos é feita de maneira distinta entre os grupos ou com medidas inadequadas. Por isso, medidas com boas propriedades psicométricas e o treinamento adequado da equipe de pesquisa ajudam a minimizar esse viés (Figura 5).

Figura 5. Medidas com boas propriedades psicométricas são fundamentais para reduzir vieses de aferição.

Por fim, o atrito ocorre quando participantes abandonam o estudo, o que pode distorcer os resultados. Estratégias para reduzir a perda de participantes incluem monitorar cuidadosamente o seguimento, oferecer recompensas e manter uma comunicação empática com os participantes.

Termos dos ensaios clínicos randomizados que você precisa conhecer

Em seguida, apresentamos uma lista de termos importantes comumente usados em ensaios clínicos randomizados:

  • Alocação: processo de distribuição aleatória dos participantes aos grupos do estudo;
  • Análise por intenção de tratar: análise que inclui todos os participantes, mesmo aqueles que não seguiram o tratamento conforme o planejado;
  • Atrito: perda de participantes durante o estudo, isto é, dropout;
  • Balanceamento: garantia de que as características dos grupos são comparáveis, isto é, equivalentes em termos de características conhecidas e desconhecidas que podem influenciar o desfecho;
  • Braço: cada grupo no estudo, como o grupo experimental e o controle. Em outras palavras, cada uma das condições experimentais de um ensaio clínico randomizado;
  • Cegamento: método para garantir que os participantes e/ou pesquisadores não saibam quem está em qual grupo;
  • Confundidor: fator que pode distorcer a relação entre a intervenção e o desfecho, afetando, portanto, a validade interna dos achados;
  • Desfecho: aquilo que está sendo medido, como a melhoria de um sintoma. Em outras palavras, variável dependente ou de resultado;
  • Efeito placebo: a resposta ou melhora no grupo controle devido à crença de que eles estão recebendo uma intervenção ativa, quando, na verdade, estão recebendo uma substância ou procedimento inerte;
  • Estudo multicêntrico: RCT realizado em vários locais, ou centros de pesquisa, simultaneamente, para aumentar a diversidade dos participantes e a validade externa;
  • Eventos adversos: qualquer evento clínico indesejado ocorrido durante o estudo, independentemente de estar relacionado à intervenção;
  • Exposição: intervenção ou tratamento administrado aos participantes. Em outras palavras, a variável independente;
  • Protocolo: documento que descreve detalhadamente o objetivo, o método e os procedimentos do ensaio clínico;
  • Seguimento: acompanhamento (follow-up) dos participantes ao longo do estudo;
  • Sham: procedimento ou tratamento simulado que é projetado para parecer idêntico ao tratamento real, mas que não possui nenhum efeito terapêutico ativo;
  • Viés: fator que pode distorcer sistematicamente os resultados de um estudo.

Conclusão

Neste post, você aprendeu o que é ensaio clínico randomizado, considerado por muitos como o padrão-ouro para a avaliação dos efeitos de intervenções. Além disso, você conheceu casos particulares de RCTs, suas características e etapas. Por fim, você conheceu uma série de termos relacionados a esse método de pesquisa.

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Referências

Hulley, S. B., Cummings, S. R., Browner, W. S., Grady, D. G., & Newman, T. B. (2013). Designing clinical research (4th ed.). Lippincott Williams & Williams.

Kazdin, A. E. (2016). Research design in clinical psychology (5th ed.). Pearson.

Como citar este post

Lima, M. (2024, 6 de novembro). O que é ensaio clínico randomizado? Blog Psicometria Online. https://www.blog.psicometriaonline.com.br/o-que-e-ensaio-clinico-randomizado/

Bruno Figueiredo Damásio

Sou Psicólogo, mestre e doutor em Psicologia. Venho me dedicando à Psicometria desde 2007.

Fui professor e chefe do Departamento de Psicometria da UFRJ durante os anos de 2013 a 2020. Fui editor-chefe da revista Trends in Psychology, da Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP) e Editor-Associado da Spanish Journal of Psychology, na sub-seção Psicometria e Métodos Quantitativos.

Tenho mais de 50 artigos publicados e mais de 5000 citações, nas melhores revistas nacionais e internacionais.

Em 2020, saí da UFRJ para montar a minha formação, a Psicometria Online Academy.

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