Você já ouviu falar de psicometria, mas não faz ideia do que é? Neste post, explicaremos um pouco mais sobre essa fascinante disciplina. Primeiramente, definiremos o que é psicometria e falaremos sobre suas origens históricas. Em seguida, descrevemos, de forma introdutória, a análise fatorial e a teoria de resposta ao item. Por fim, descrevemos duas grandes áreas da psicometria, bem como a relação dessa disciplina com a área de avaliação psicológica.
Qual é a definição de psicometria?
“Tudo o que existe, existe em alguma quantidade. Conhecê-lo a fundo envolve conhecer sua quantidade e também sua qualidade”.
Essa célebre frase, do psicólogo educacional Edward L. Thorndike, dita há mais de um século, resume bem o objetivo da psicometria. Em síntese, a psicometria é a ciência da mensuração de características, atributos e habilidades psicológicas, sendo uma importante área de estudos na psicologia e, também, na educação.
A psicometria se fundamenta na teoria da medida em ciências em geral (Pasquali, 2009), um ramo da matemática que estuda o processo e a legitimidade de se atribuir rótulos numéricos a objetos ou a fenômenos empíricos. Por exemplo, ao atribuir números às respostas de participantes em questionários ou tarefas comportamentais, a psicometria busca entender o que esses números realmente significam em termos de fenômenos psicológicos.
Quais são as origens históricas da psicometria?
Historicamente, as raízes da psicometria remontam ao século XIX. Foi nesse período que vários pesquisadores começaram a desenvolver métodos para medir fenômenos psicológicos (Hauck Filho, 2014). Por exemplo, nomes importantes incluem Ernst Heinrich Weber e Gustav Fechner, que trabalharam na área da psicofísica, além de Francis Galton, Alfred Binet e James Cattell, responsáveis pelo desenvolvimento dos primeiros testes mentais.
Entretanto, a psicometria apenas se consolidou como disciplina independente no início do século XX, através das contribuições de Charles Spearman e de Leon Louis Thurstone. Por exemplo, Spearman publicou estudos que deram origem à teoria clássica dos testes (Spearman, 1904a, 1907). Desse modo, ele introduziu conceitos essenciais para a teoria psicométrica, como a separação entre variância verdadeira (true variance) e variância de erro (error variance) nas respostas a instrumentos de medida (Embretson, 2004).
Além disso, Spearman (1904b) foi o primeiro a usar análises de correlação entre itens para identificar a variância compartilhada entre indicadores. Esse procedimento serviu de base para a análise fatorial, que posteriormente foi aprimorada por Thurstone (1931). Desse modo, graças aos esforços de pioneiros da área, a análise fatorial se tornou uma técnica central na psicometria.
Análise fatorial
A análise fatorial permitiu que a psicometria avançasse no estudo de processos psicológicos, não diretamente observáveis, utilizando comportamentos observáveis como indicadores (Pasquali, 2009). Essa abordagem deu origem à teoria da variável latente (Borsboom, 2008), que propõe que as respostas de um indivíduo a um teste são explicadas por um ou mais traços latentes. Assim, o desempenho (variável observada) é o efeito, enquanto os traços latentes (variáveis não observadas) representam a causa (Pasquali, 2009).
Por exemplo, considere o construto depressão. A depressão não é um fenômeno observado per si, mas a sua existência é inferida a partir da presença de uma série de comportamentos e sintomas característicos, tais como tristeza, apatia, ideação suicida, sentimentos de menos valia etc., tal como representado na Figura 1.
Teoria de resposta ao item
A teoria de resposta ao item (TRI) é uma família de modelos matemáticos que descrevem a relação entre o nível de habilidade ou traço latente de um indivíduo e o padrão de respostas aos itens de um teste ou escala.
Diferentes modelos de TRI variam em função de como a relação entre os parâmetros dos itens e a probabilidade de resposta é modelada. Por exemplo, no modelo de 1 parâmetro logístico (1PL), considera-se apenas a dificuldade (b) do item, que indica o nível de habilidade (θ) necessário para ter 0,50 de probabilidade de acertá-lo ou endossá-lo. A Figura 2 mostra itens com dificuldades distintas, onde o item 1 é o mais fácil, enquanto o item 3 é o mais difícil; o item 2 tem dificuldade intermediária.
Por outro lado, o modelo de 2 parâmetros logísticos (2PL) também inclui a discriminação (a), que mede a capacidade de um item em diferenciar participantes com níveis distintos de habilidade. A Figura 3 apresenta itens com dificuldades similares, mas com discriminações diferentes. O Item 3, por exemplo, é o mais discriminativo, pois identifica mudanças sutis no nível de θ, enquanto o item 1 é o menos discriminativo; o item 2 tem valor de discriminação intermediário entre os demais.
Veja também: O que é Teoria de Resposta ao Item (TRI) e quais são seus principais modelos?
Quais são as duas grandes áreas da psicometria?
A psicometria pode ser dividida em duas áreas principais. Primeiramente, a psicometria básica busca desenvolver novas técnicas e métodos estatísticos. Essa é a área de interesse de diversos profissionais, tais como estatísticos, metodólogos e psicólogos quantitativos.
Na psicometria básica, os estudos se focam, por exemplo, em desenvolver e avaliar a eficácia de novos métodos de retenção de fatores, novos procedimentos de análises de vieses de resposta na TRI, novos métodos de estimação para modelagem por equações estruturais etc. Diversas revistas científicas se voltam à publicação desse material, como, por exemplo, a Psychometrika e a Assessment.
Por outro lado, a psicometria aplicada utiliza as técnicas desenvolvidas na área da psicometria básica, visando responder a questões práticas, como validar instrumentos ou investigar relações entre variáveis psicológicas. Por exemplo, pesquisadores interessados em construtos como inteligência ou personalidade encontram nessa abordagem um caminho para avançar o conhecimento científico.
Entre os métodos destacados, a modelagem por equações estruturais se destaca ao combinar análise fatorial e regressão. Em síntese, esse método permite explorar de forma detalhada relações complexas entre variáveis independentes e dependentes em um único modelo integrado.
A questão da medida é, sem dúvida, uma das mais fundamentais na pesquisa em ciências comportamentais e sociais. Por isso, é possível afirmar que toda investigação quantitativa inferencial envolvendo seres humanos depende, direta ou indiretamente, da psicometria. Essa área desempenha, portanto, um papel crucial na geração de evidências científicas sólidas e confiáveis.
Qual é a relação entre psicometria e avaliação psicológica?
A psicometria está intimamente ligada à área de avaliação psicológica, já que esta utiliza testes desenvolvidos por aquela. Profissionais da avaliação psicológica, portanto, precisam de treinamento em psicometria para serem capazes de interpretar adequadamente a literatura técnica e consumir criticamente as informações contidas em manuais de testes psicológicos.
Desse modo, por meio de processos rigorosos de construção e adaptação de instrumentos, psicometristas avaliam as evidências de validade e de fidedignidade dos escores. Com isso, psicometristas garantem que os testes sejam confiáveis e possuam interpretabilidade para profissionais de avaliação psicológica.
No entanto, é importante lembrar que a testagem psicológica é apenas uma das fontes de informação utilizadas por especialistas em avaliação psicológica. Eles também recorrem a observações naturalísticas e estruturadas, entrevistas e análises documentais. Por isso, é essencial que esses profissionais tenham um bom conhecimento da psicometria, garantindo uma investigação completa e uma compreensão precisa de diversas características psicológicas de interesse.
Conclusão
Neste post, exploramos os fundamentos da psicometria e sua importância. Caso deseje se aprofundar em temas tratados no post, você pode se interessar principalmente pelos posts sobre análise fatorial confirmatória, modelagem por equações estruturais e teoria de resposta ao item.
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Referências
Borsboom, D. (2008). Latent variable theory. Measurement: Interdisciplinary Research & Perspective, 6(1–2), 25–53. https://doi.org/10.1080/15366360802035497
de Ayala, R. J. (2022). The theory and practice of item response theory (2nd ed.). The Guilford Press.
Embretson, S. E. (2004). The second century of ability testing: Some predictions and speculations. Measurement, 2(1), 1–32. https://doi.org/10.1207/s15366359mea0201_1
Hauck Filho, N. (2014). Medida psicológica: O debate entre as perspectivas conceituais representacionista e realista. Avaliação Psicológica, 13(3), 409–418.
Pasquali, L. (2009). Psicometria. Revista da Escola de Enfermagem da USP, 43(n.esp.), 992–999.
Spearman, C. (1904a). The proof and measurement of association between two things. The American Journal of Psychology, 15(1), 72–101. https://doi.org/10.2307/1412159
Spearman, C. (1904b). ‘General intelligence,’ objectively determined and measured. The American Journal of Psychology, 15(2), 201–293. https://doi.org/10.2307/1412107
Spearman, C. (1907). Demonstration of formulae for true measurement of correlation. The American Journal of Psychology, 18(2), 161–169. https://doi.org/10.2307/1412408
Thorndike, E. L. (1918). The nature, purposes, and general methods of measurements of educational products. In G. M. Whipple (Ed.), Seventeenth yearbook of the national society for the study of education (Vol. 2, pp. 16–24). Public School Publishing.
Thurstone, L. L. (1931). Multiple factor analysis. Psychological Review, 38(5), 406–427. https://doi.org/10.1037/h0069792
Como citar este post
Lima, M. (2021, 1 de dezembro). O que é psicometria? Blog Psicometria Online. https://www.blog.psicometriaonline.com.br/o-que-e-psicometria/