Você já ouviu falar de Psicometria, mas não faz ideia do que é? Vamos esclarecer essa história
A Psicometria pode ser definida como a ciência da mensuração de características, atributos e habilidades psicológicas (Buchanan & Finch, 2005), sendo uma importante área de estudos na Psicologia e, também, na educação.
Sua origem está pautada no esforço de vários pesquisadores, no século 19, para desenvolver procedimentos de medida dos fenômenos psicológicos (Hauck-Filho, 2014). Dentre vários, pode-se citar Ernst Heinrich Weber e Gustav Fechner, na área da psicofísica, além de Francis Galton, Alfred Binet e James Cattell no desenvolvimento dos denominados testes mentais.
O surgimento da Psicometria, enquanto área específica do saber, pode ser atrelada à principalmente dois nomes, Charles Spearman e Leon Louis Thurstone. No início do século 20, Spearman publicou uma série de artigos científicos que serviram de base para o surgimento da Teoria Clássica dos Testes (Spearman, 1904a, 1907). Nestes artigos, Spearman desenvolveu os conceitos de fidedignidade ao separar a variância verdadeira (true variance) da variância de erro (error variance) nas respostas aos instrumentos de medida (Embretson, 2005).
Foi também Spearman (1904b) quem aplicou pela primeira vez análises de correlação entre itens buscando encontrar a variância compartilhada dos indicadores. Tal procedimento, que é entendido como a base da análise fatorial, foi posteriormente ampliado e aprimorado por Leon Louis Thurstone (1931), dando surgimento à técnica da análise fatorial.
A Psicometria, por meio da análise fatorial, passou a mensurar processos mentais não observados diretamente através dos comportamentos observados (Pasquali, 2009), dando início à denominada Teoria da Variável Latente (Borsboom, 2008). A teoria da varável latente postula que as respostas de um indivíduo a determinado teste se explicam em função de um ou mais traços latentes. Nessa perspectiva, o desempenho (comportamento observado) é o efeito, enquanto que os traços latentes (comportamentos não observados) são a causa (Pasquali, 2009).
Um exemplo didático que ilustra essa separação entre variáveis observadas e não observadas (i.e., latentes) pode ser dado com o construto ‘depressão’. A depressão não é um fenômeno observado per si, mas a sua existência se infere a partir da presença de uma série de comportamentos e sintomas característicos, tais como tristeza, apatia, ideação suicida, sentimentos de menos valia, etc.
Outra importante abordagem da Psicometria é a Teoria de Resposta ao Item (TRI). A TRI é um conjunto de modelos estatísticos que tem por objetivo investigar as características dos itens de um teste, os padrões de respostas fornecidas pelos indivíduos e contrastar essas duas informações com o nível de traço latente dos sujeitos (Finch. Immekus, & French, 2016).
De maneira sucinta, a TRI pode ser dividida em diferentes modelos, sendo os mais populares, os modelos de um, dois e três parâmetros logísticos, comumente denominados 1, 2 e 3-pl.
Modelos de 1-pl avaliam as respostas aos itens através de uma ponderação entre o nível de habilidade do sujeito (theta, q) e a dificuldade do item (denominado parâmetro b). Logo, nos modelos de um 1-pl, apenas a dificuldade do item é considerada (por isso, diz-se que ele avalia apenas um parâmetro logístico).
A dificuldade de um item pode ser expressa pelo nível de theta necessário para que um sujeito o acerte ou o endosse (de Ayala, 2009). Para testes cognitivos, como por exemplo, testes de raciocínio lógico-matemático, questões mais difíceis irão requerer um maior nível de habilidade, para que o sujeito possa acertá-lo.
Já os modelos de 2-pl avaliam duas características dos itens: a dificuldade (parâmetro b) e a discriminação (parâmetro a). O parâmetro de discriminação está relacionado com a capacidade do item em discriminar sujeitos com maior ou menor nível de theta. Itens que apresentam pouco poder de discriminação são, em geral, considerados pouco úteis para os testes, pois trazem pouca informação. Por exemplo, para uma escala de ansiedade social, um item que questione sobre “ficar desconfortável em eventos importantes junto a desconhecidos”, seria, possivelmente um item pouco discriminativo, uma vez que esse padrão de comportamento pode ser esperado em um alto número de pessoas, com ou sem diagnóstico de transtorno de ansiedade social (Embretson & Reise, 2000).
Os modelos 3-pl, por sua vez, adicionam uma outra informação na mensuração, que é o acerto ao acaso (parâmetro c). O parâmetro c avalia a probabilidade de um sujeito acertar um item, em função do seu nível de theta. Por exemplo, não é esperado que sujeitos com baixo nível de theta acertem itens que tenham alto grau de dificuldade. Do mesmo modo, espera-se que sujeitos com elevado nível de theta acertem itens fáceis e passem a errar apenas aqueles itens que estão além de suas habilidades. Distorções nessa relação entre nível de habilidade do sujeito e nível de dificuldade dos itens são indícios de que os sujeitos estão respondendo ao instrumento de forma desordenada e, eventualmente, acertando questões ao acaso (Yen & Fitzpatrick, 2006).
As técnicas de Análise Fatorial e da Teoria de Resposta ao Item são, atualmente, as principais ferramentas utilizadas no desenvolvimento e na validação de testes psicológicos – que é um dos grandes temas o qual a Psicometria se dedica. a partir dessas técnicas, os instrumentos psicológicos são avaliados e aprimorados, possibilitando o desenvolvimento de ferramentas confiáveis para uso na pesquisa científica.
Como a Psicometria pode ser compreendida?
A Psicometria é uma grande área do saber, que pode ser dividida em, ao menos duas linhas. A primeira, denominada Psicometria básica, refere-se ao desenvolvimento e/ou aprimoramento de procedimentos e técnicas de análise de dados, utilizando como base a estatística e a matemática. Nesta linha, os estudos se focam, por exemplo, em desenvolver e avaliar a eficácia de novos métodos de retenção de fatores, novos procedimentos de análises de vieses de resposta na Teoria de Resposta ao Item, novos métodos de estimação para modelagem por equações estruturais, etc. Diversas revistas científicas se voltam à publicação desse material, como por exemplo a Psychometrika e a Assessment. A segunda linha, intitulada Psicometria aplicada, refere-se ao uso dos procedimentos já desenvolvidos para testar teorias e hipóteses de pesquisa, incluindo tanto os estudos de validação de instrumentos como os estudos que buscam avaliar a relação estrutural entre diferentes variáveis.
Dentre várias possibilidades de análise de dados, destaca-se, a modelagem por equações estruturais (structural equation modeling, SEM). A modelagem por equações estruturais é um poderoso conjunto de técnicas que alia os procedimentos de análise fatorial e regressão. Por meio dela, é possível investigar a relação estrutural entre diversas variáveis dependentes e independentes em um único modelo.
Por ser uma ciência básica e aplicada, pode-se dizer que toda pesquisa quantitativa em Psicologia, de natureza inferencial, utiliza os conhecimentos da Psicometria. A Psicometria, portanto, é uma grande aliada no desenvolvimento de uma Psicologia baseada em sólidas evidências científicas.
Qual a relação entre Psicometria e Avaliação Psicológica?
A Psicometria também apresenta uma forte relação com a área da Avaliação Psicológica. Isso porque, a Avaliação Psicológica comumente utiliza testes psicológicos como uma das suas ferramentas de levantamento de informações. E a Psicometria é a ciência que desenvolve tais testes.
Ou seja, a partir de um complexo processo de construção ou adaptação e validação de medidas, A Psicometria, por meio da avaliação de uma série de evidências de validade consegue atestar que um teste é cientificamente confiável e que ele pode ser utilizado como ferramenta para avaliação de uma ampla variedade de características psicológicas.
Conclusão
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Referências
Borsboom, D. (2008). Latent Variable Theory. Measurement: Interdisciplinary Research & Perspective, 6(1–2), 25–53.
Buchanan, R. D., & Finch, S. J. (2005). History of Psychometrics. In B. S. Everitt & D. C. Howell (Orgs.), Encyclopedia of Statistics in Behavioral Science. Chichester, UK: John Wiley & Sons, Ltd.
de Ayala, R. J. (2009). The Theory and Practice of Item Response Theory. New York: Guilford Press.
Embretson, S. E. (2004). The second century of ability testing: Some predictions and speculations. Measurement, 2(1), 1–32.
Embretson, S. E. & Reise, S. P. (2000). Item Response Theory for Psychologists. Lawrence Erlbaum Associates: New Jersey.
Finch. W. H., Immekus, J. C., & French, B. F. (2016). Applied Psychometrics Using SPSS and AMOS. Information Age Publishing Inc. Charlotte, NC.
Hauck-Filho, N. (2014). Medida psicológica: o debate entre as perspectivas conceituais representacionista e realista. Avaliação Psicológica, 13(3), 409-418.
Pasquali, L. (2009). Psicometria. Revista da Escola de Enfermagem da USP, 43(Esp). 992-999.
Spearman, C. (1904a). The proof and measurement of association between two things. American Journal of Psychology, 100(3-4), 441-471.
Spearman, C. (1904b). “General intelligence,” objectively determined and measured. American Journal of Psychology, 15(2), 201-292.
Spearman, C. (1907). Demonstration of formulae for true measurement of correlation. American Journal of Psychology, 18(2), 161-169.
Thurstone, L. L. (1931). Multiple factor analysis. Psychological Review, 38(5), 406-427
Yen, W. M., & Fitzpatrick, A. R. (2006). Item response theory. In R. L. Brennan (Ed.), Educational measurement (4th ed., pp. 111–154). Westport, CT: American Council on Education and Praeger.
Como citar este post
Damásio, B. (2021, 1 de dezembro). O que é psicometria? Blog Psicometria Online. https://www.blog.psicometriaonline.com.br/o-que-e-psicometria/